Luiz Campos O mestre de uma geração de poetas
Crispiniano Neto
Falar de Luiz Campos é tratar de um dos mais autênticos repentistas-poetas do Nordeste brasileiro. Luiz Campos tinha tudo para dar errado na vida de cantador, pois além de não ter porte artístico, não tocava bem à viola e tinha uma voz que não animava ninguém a ir à sua cantoria para ouvir-lhe a “sonora”, como se diz no idioma particular dos cantadores. Luiz se impõe pela poesia, pelo repente, pela força titânica e demolidora da sua verve improvisadora capaz de redimir uma noite de cantoria “infeliz” com uma única sextilha genial. O grande mestre Diniz Vitorino trabalhava o conceito de cantadores-poetas que muitos colegas não gostam, por entenderem que todos aqueles que rimam e metrificam fazem poesia. Mas Diniz tinha razão, pois muitas vezes encontramos baiões de viola inteiros, perfeitamente rimados, metrificados e oracionados, mas sem uma única linha em que se possa sentir cheiro de poesia, de arrebatamento, de êxtase, de dizer poético, de poiesis, desse jeito único de dizer coisas, às vezes até as mesmas coisas que todo mundo já disse, mas de maneira tão diferente e tão especial que a sensibilidade brota de cada sílaba, fazendo a diferença e construindo a mágica da produção artística, esta magia que somente os inspirados são capazes de encontrar por entre os fluidos que residem nas veredas tortuosas dos labirintos interpostos entre o pensar e o dizer, ou, como diria o mestre Chico Buarque, “entre intenção e gesto”.
A poesia de Luiz Campos tem um poder de síntese, de objetividade e clareza na construção da mensagem que só se pode encontrar num Hai Kai. Como n’A Morte de Luiz Macedo: “Partiu ele atrás da rês/ O touro, o cavalo e ele/ E a morte atrás deles três”. Tem, quando quer, a grandiloquência do Condoreirismo: “Quis morrer de amor, faltou coragem/ quis viver para amar, faltou razão”. É humor, é amor, é cantiga de amigo e de maldizer... Tenho encontrado versos de Luiz Campos registrados em antologias de repentes, como se fossem lavra de grandes nomes, como do genial Pinto do Monteiro. Um exemplo é aquela que é uma das sextilhas mais brilhantes do mundo do improviso:
Cantar sem ganhar dinheiro
É viajar numa pista
Num carro velho quebrado
Um chofer curto da vista
E um doido gritando em cima:
- Atola o pé, motorista!
Garantiram-me também que esta sextilha seria de Domingos Tomás, que é um dos homens mais sérios da poesia nordestina. Fui à sua casa em Touros e tirei a dúvida. A genial estrofe é mesmo de Luiz Campos. Luiz não pode ser esquecido. Especialmente nestes tempos em que um cantador não profissional como eu, passou pela direção geral da Fundação José Augusto com status de secretário de Estado da Cultura,, ao Instituto Histórico e Geográfico do Estado, à Academia Brasileira de Literatura de Cordel e ao Conselho nacional de Políticas Culturais, em que Antonio Lisboa foi reconhecido como um dos maiores repentistas do Nordeste, Chico de Assis brilha no Planalto Central como poeta dos movimentos sociais e Antonio Francisco se projeta como o novo grande nome da poesia nordestina recitada. É preciso lembrar que Luiz Campos em 1977, ao lado de Aldivam Honorato, foi um dos fundadores da Casa do Cantador do Oeste Potiguar, entidade que serviu de ventre para a gestação da “Escola de Mossoró”, aquela em que a poesia popular foi posta a serviço das causas populares. Quando a viola sertaneja saiu em alto estilo da letargia da alienação, do marasmo da acomodação e da
vergonha da subserviência pós-ditadura militar, para cantar a libertação do povo, a criação de um novo mundo possível. Antes da “Escola de Mossoró” com a cantoria social, os cantadores chegavam ao paradoxo de até censurar os próprios improvisos, reprimindo o irreprimível, ponderando o imponderável, podando o sonho, castrando o delírio. Nada de cantar “comunismo”, era preciso respeitar os fardões dos generais e louvar “porta, porteira e portão” da casa do fazendeiro. Luiz Campos nunca teve engajamento político-partidário nem ideológico, mas na sua consciência nata, na sua santa indignação contra o erro da iniquidade e o crime da opressão do homem pelo homem, foi quem começou cantar essas coisas de questionar o submundo dos pobres e a opressão dos ricos, como em Vítimas do Destino, Carta a Papai Noé, O Velho Deus da Fome e Sonhei, Acordei Frustrado. Patativa do Assaré cantou lá... e ele cá, dando vez aos sem voz e voz aos sem vez! Este Luiz Campos, de corpo inteiro; rindo ou sofrendo, mas sempre fazendo rir; sem nenhum engajamento político, mas fazendo todos se engajarem, sem estudos livrescos, mas chegando aos livros e fazendo ler, e refletir, e agir, merece mais que um livro. Mereceu nossa veneração e precisou do nosso apoio, quando se sentia só e doente, como na sextilha em que profetizou seus futuros/já chegados/agora passados “ais”:
Esta dor que estou sentindo
Esse mal, essa moleza
Esse tremido nas pernas
Essa cólica, essa fraqueza
Trinta por cento é doença
Mas os setenta é pobreza...
Luiz Campos morreu anteontem à noite. Foi sepultado ontem. O velório foi na casa onde nasceu e viveu 73 anos, no bairro lagoa do Mato, o mesmo de Antonio Francisco. Nasceu quando a lagoa ainda existia. Viu-a ser criminosamente sepultada pelos alicerces da especulação imobiliária que foi deixando os pobres, seus amigos, sem ter onde fincar um arremedo de lar, os que, como ele, se também fossem poeta poderiam dizer aquela estrofe que o grande Maciel Melo empurrou no meio de uma composição num dos seus mais belos CDs:
O que eu tenho é esta casa
Que eu herdei do meu pai
É a chuva vem não vem,
É a casa vai não vai;
Todo dia eu boto barro,
Toda noite o barro cai!
Luiz é Patrimônio Vivo da Cultura Popular Potiguar, pela Lei No. 9.032, de 27.11.2007, iniciativa do deputado estadual Fernando Mineiro. Esta lei garantiu dignidade a Luiz nos seus últimos anos de vida. A casinha que herdou do pai operário e mãe rezadeira, mais a rendinha desta lei advinda, somada à aposentadoria de salário-mínimo permitiu que não ficasse, como tantos mestres da cultura popular, mendigando um vidro de remédio, um prato de comida. Visitei-o frequentemente nos últimos três meses, sozinho, juntamente ou revezadamente com Tércio Pereira, Claudete, e os poetas Antonio Francisco, Silveira e Nildo da Pedra Branca. Em momento algum, Luiz precisou nos pedir um real sequer, por ter sua mixaria sempre à mão. Luiz morreu. Viva Luiz Campos... O mestre de todos nós! Jornal de fato /sexta-feira, 16 de agosto de 2013.
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